sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Sem Título - Cap. 1

Era uma quinta-feira de primavera, final de tarde quente, quando o telefone finalmente tocou no quarto 144 do Hotel Bella Muerte, onde John estava hospedado.

- Boa noite, Sr. Venom... Como tínhamos combinado, escrevi tudo que pediu. - disse Walter, com sua voz rouca.

- Ok... Onde estão? - John disse com pressa.

- Primeira gaveta do seu guarda-roupa. Quero o serviço feito em uma semana. E sem vestígios de assassinato.

- Problemas de depressão, certo? - ele sorriu.

- Isso mesmo. Mais um motivo porque estou dando o serviço a você. Espero que não haja falhas.

- Não se preocupe Walter. Não cometo erros. Ligue no outro número que passei, vou estar ocupado nos próximos dias. Adeus - John desligou o telefone.

Ao desligar, foi até o armário do seu quarto de hotel e retirou um grande envelope branco da gaveta, com um nome escrito em vermelho. "Susan Roth". Abriu e começou a ler o histórico rapidamente. "Jornalista descobre esquema de contrabando"..."Roth encontra o motivo de morte das 80 pessoas do litoral do Brasil"...

Depois virou a folha e observou a foto da moça por um instante. Atrás dela, escrito em letras pequenas e apressadas: "freqüenta o shopping próximo da estação nos dias que antecedem o final de semana”. John colocou sua jaqueta, pegou a moto e seguiu para o local indicado.

Em alguns minutos ele estava andando pela praça de alimentação, observando a variedade de restaurantes e fast-foods que havia em volta. Tirou um pequeno cartão do bolso e observou a foto de Susan. Dirigiu-se então ao restaurante ao lado, fez seu pedido e ficou parado segurando sua bandeja até avistá-la.

Estava sentada em uma mesa próxima, extremamente concentrada em seu próprio prato. John aproximou-se e colocou sua bandeja na mesa da moça, o que a fez erguer os olhos ligeiramente. Ela o fitou por um instante, olhando para cima um homem alto, ligeiramente pálido, com brilhantes olhos verdes e cabelos negros desarrumados que caíam sobre seus olhos. Ele também ficou parado um instante, sorrindo. A foto parecia ter sido tirada naquele instante, pois encarava uma mulher baixa, ruiva, com olhos azuis profundos e sem expressão.

- Está esperando alguém? - John perguntou, sorrindo.

- Não. - Susan respondeu.

- Então se incomoda se eu sentar?

- Tenho escolha? - sorriu, irônica. – Afinal, o lugar é público.

- Felizmente. - John sentou-se. Susan continuou a encará-lo, esperando alguma coisa. - Oh, desculpe. Chamo-me Julian...Julian Stokes.

- Prazer, Susan Roth. - e estendeu a mão.

- O prazer é meu. - pegou a mão e beijou-a delicadamente.

Susan olhou-o desconfiada, retirando a mão de perto dele rapidamente. John começou a falar então, e mesmo com as respostas secas da moça não desistiu. Depois de um tempo, no entanto, após descrever seu “trabalho” como cirurgião no hospital de New Jersey e como gostava de observar as pessoas nos locais públicos enquanto lia o jornal, Susan começou a falar mais, comentando sobre sua carreira de jornalista após ter se formado em Stanford.

A conversa durou muito mais do que ele esperara, e o relógio marcava nove e meia. Susan suspirou.

- Infelizmente preciso ir. Amanhã preciso chegar cedo no jornal. – ela pegou um bilhete de metrô do bolso.

- Não gostaria que eu te desse uma carona? – John sorriu.

- Moto? – Susan torceu a boca.

- Harley... E capacete. – John piscou.

- Está certo. Moro na 22 com a Quinta.

John a levou até a moto e subiu, com Susan logo atrás. A moça segurou em sua cintura firmemente, até chegarem na frente de um alto prédio, velho, com várias janelas quebradas e a pintura descascada.

- Obrigada pela carona. – Susan passou o capacete de volta a John.

- Quando posso vê-la de novo, Susan? – John sorriu.

- Quem sabe, não é? – Susan piscou.

- Mesmo lugar amanhã, talvez?

- Se você conseguir se lembrar exatamente qual mesa nós estávamos... Posso até deixar você se sentar de novo. – Susan riu levemente – Boa noite, Julian.

John a assistiu entrar, dando um último aceno antes de bater a porta. Então observou o prédio.

- Acho que reportagens realmente não rendem nada... – disse para si mesmo, rindo e indo embora.

No dia seguinte, arrumou-se rapidamente, mas melhor do que no dia anterior: uma camiseta pólo, calça jeans, e o cabelo mais desarrumado do que antes. Ele notara a preferência de Susan por estes homens no shopping, e então resolveu superá-los. Olhou-se mais uma vez no espelho, e seguiu rumo ao encontro.

O local estava mais cheio que no dia anterior. Como ele não tinha certeza se deveria chegar à mesa já com a comida, limitou-se a tentar percorrer os mesmos passos que no dia anterior. Com o volume de pessoas, ficou confuso por um instante, mas logo viu os cacheados cabelos ruivos de sua vítima. Aproximou-se com o mesmo sorriso estampado, e um olhar um tanto penetrante.

- Boa noite, Susan.

- Julian. Já estava ficando com fome... – Susan começou a levantar.

- Ah, não se incomode, por favor. Eu posso trazer sua comida. – John sorriu – Preferências?

- É sexta. Gosto de um lanche. Pode trazer o que quiser. – Susan sorriu.

John piscou e se dirigiu a um dos fast-foods da praça. Comprou dois sanduiches iguais, e sentou-se rapidamente.

- Sempre foi um hábito seu, comer porcarias de sexta-feira? – John pergunou.

- Desde que comecei a escrever para o jornal. Estágio duro, pouco tempo para comer... Ou qualquer outra coisa. – Susan riu, como se as lembranças fossem maravilhosas. – Nunca imaginaria que seria a fase menos trabalhosa da minha vida.

- Como assim?

- Ir atrás das minhas reportagens dá muito mais trabalho... Ainda que por curtos períodos de tempo. Não é fácil descobrir onde os seqüestradores, traficantes e matadores podem estar. – ela engoliu pesadamente seu refrigerante – Pode demorar meses. Não costumo desistir de flagrar quem eu procuro. Não tenho escolha, a não ser terminar... E nunca falhei, até hoje.

John piscou algumas vezes. Parecia uma descrição dos seus anos de serviço... Ou não. Loucura. Ela era completamente diferente dele, não era possível terem coisas em comum. Ele então resolveu mudar de assunto, falando sobre comida e filmes... E se arrependeu mais ainda.

Susan não era nada como parecia. Gostava de comidas pesadas, massas, bebidas fortes. Filmes de terror, ação e suspense... Quanto mais sangrentos melhor. Como ele. Foi nesse ponto que resolveu agilizar o serviço, antes que ele ficasse confuso.

Susan novamente permitiu que ele a levasse para casa. Ao descer, a moça perguntou:

- E quando será a próxima?

- Qual dia você pode? – John sorriu.

- Domingo? Mesmo lugar?

- Por que não um lugar... diferente? Conheço um ótimo restaurante de massas, não tão longe daqui.

- Posso saber o nome? Para ver se a crítica é boa? – Susan pareceu-lhe irônica.

- Bella Muerte. Excelentes pratos. Vinhos maravilhosos. Se você acreditar que a companhia pode ser boa...

Susan riu, concordando com a cabeça.

- Oito horas?

- Oito horas. Te espero lá. – John piscou.

Susan riu novamente, e entrou. Tudo ia como planejado: ela estava claramente interessada, e de nada desconfiava. Agora tinha um dia inteiro para conseguir as pílulas, um relato de suicídio... e sua passagem para a Austrália.

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